22 setembro 2008

REGIÃO DO SERIDÓ É PÓLO DE EXPORTAÇÃO DE TRABALHADORES ESCRAVOS

Passados 120 anos da abolição da escravatura, é alarmante a quantidade de pessoas que ainda são feitas escravas no País. E o Rio Grande do Norte, assim como todos os demais Estados do Norte e do Nordeste brasileiros, figura como pólo irradiador dessa mão-de-obra.
Segundo estimativa da Delegacia Regional do Trabalho (DRT), por ano, mais de mil potiguares são forçados a desempenhar trabalho análogo ao escravo em outras unidades da federação. Essas pessoas são aliciadas em cidades que têm as mesmas características geo-políticas: estagnação econômica, desemprego em massa e que são vítimas permanentes de calamidade (na maioria das vezes, a seca). Esse quadro é característico de boa parte do nosso Estado.
E a região do Seridó, ainda de acordo com a DRT, é a maior "fornecedora" dessa demanda. Os trabalhadores saem principalmente de Currais Novos, Acari, Lagoa Nova, Cruzeta, Caicó, Ouro Branco e Timbaúba dos Batistas. "Anualmente isso se repete. Os aliciadores, que chamamos de 'gatos', chegam a uma cidade onde o desemprego impera e oferece trabalho com rendas extraordinárias em outros Estados", diz a coordenadora do Grupo de Fiscalização Rural da DRT, Marinalva Cardoso Dantas. Mas após acordada a ida, o crime de aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional começa a vigorar.
"A primeira coisa que eles fazem é dar um abono, um adiantamento em dinheiro para as famílias dos trabalhadores como forma de iludi-los. Depois, vêm os custos com transporte, alimentação e hospedagem. Assim que chegam ao ponto final, eles são avisados que terão que arcar com essas despesas. Como o que ganham sempre é menos do que gastam e eles são obrigados a continuar trabalhando, fica configurado o trabalho escravo", completa Marinalva.
Um estudo feito pela equipe da DRT aponta o Seridó como a maior "fonte" de escravos do Rio Grande do Norte. "Podemos afirmar que anualmente mais de mil pessoas são recrutadas dessa forma", frisa a coordenadora. Esses escravos são levados principalmente para os Estados de Goiás e Minas Gerais e são obrigados a trabalhar no corte da cana-de-açúcar. "São situações das mais absurdas que podemos imaginar. Em pleno século 21, esses trabalhadores são submetidos ao mesmo regime de trabalho da época do Brasil Colônia", reforça.
As jornadas diárias são desumanas, chegando muitas vezes a mais de 12 horas de trabalho ininterrupto. "O mais comum é eles começarem a trabalhar no corte da cana às 6h e só parem às 17h. Nesse período, têm apenas o tempo para comer a chamada bóia-fria e recomeçar o serviço, que é exaustivo. Quando chegam às suas barracas à noite, esses trabalhadores fazem seus almoços para o dia seguinte e literalmente desmaiam de cansados, só acordando para mais outra jornada de trabalho".
Marinalva Cardoso lembra que no ano passado dois desses escravos potiguares foram libertados pelos fazendeiros e trazidos de volta. "Mas como não suportaram a exaustão a que foram submetidos nas fazendas, acabaram morrendo poucos dias após regressarem". Diante do quadro que encontram ao chegarem às fazendas de cana-de-açúcar, muitos dos trabalhadores escravos tentam fugir. "Mas uma fuga de um local desses é praticamente impossível.
Há homens armados vigiando toda a fazenda durante as 24 horas do dia. Quem tenta fugir é assassinado sumariamente para intimidar os demais a não fazer o mesmo". O mesmo acontece com aqueles que possuem um pouco mais de conhecimento e tentam exigir os direitos trabalhistas.
Esses escravos, ainda segundo Marinalva Cardoso, não possuem carteira de trabalho e, conseqüentemente, direito a férias, 13º salário, seguro-desemprego e outros benefícios. "Costumamos dizer que o único direito que eles têm é o de trabalhar". Mesmo com essa realidade apontada pela DRT, são poucos os registros de prisões de "gatos" e raríssimos os casos de condenação desses aliciadores.
O crime que eles cometem está previsto no artigo 207 do Código Penal Brasileiro. O artigo diz que é crime "aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional" e prevê pena de detenção de um a três anos e multa. Pela Lei, incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. Essa pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima for menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
A DRT reconhece a dificuldade que tem de combater o aliciamento de trabalhadores escravos no Rio Grande do Norte. "Temos poucos auditores na Delegacia Regional do Trabalho. Tudo o que conseguimos até agora foi devido a ações conjuntas com as Polícias Federal e Rodoviária Federal e com outros órgão, como a Procuradoria do Trabalho. Mesmo assim, continuamos a combater esse absurdo".

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